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Mosaico A Imagem Do Universo
Mosaico, a imagem do universo
Texto feito com a revisão de Julio César Adam para a Revista TEAR.
Leonardo Martins Posenato
O mosaico é uma arte milenar utilizada por diversos povos desde a antiguidade
até hoje. Os mosaicos sempre fizeram parte da humanidade, qualquer que
tenha sido sua cultura e religião. O uso dos fragmentos, como técnica básica
do mosaico, faz dele uma maneira de expressar a vida do cristão em sua
transitoriedade e incompletude. O mosaico contém conceitos sobre a nossa
existência, e nele estão escritas de forma didática e simbólica, as leis que
regem nossa vida.
O primeiro paralelo filosófico entre a arte do mosaico e a existência é o fato de
o universo ser uma composição em fragmentos. Observe a estrutura de uma
árvore, por exemplo, com seu caule craquelado e inúmeras folhas. Ao se
aproximar destas folhas, você verá inúmeras subdivisões feitas pelos veios e
ranhuras . Se você olhar mais de perto ainda, observará que estas subdivisões
se repetem em escala cada vez menor, até entrarem em escala molecular e
atômica, hoje visíveis através de aparelhos. O universo é pura composição de
fragmentos!
Concebido este paralelo, podemos adentrar a ideia de que somos um pequeno
fragmento num grande corpo. Somos parte indissolúvel deste universo.
Podemos compreender que cada construção interna ou externa em nossa vida
acontece pela justaposição, a cada instante, de pequenos gestos. Este paralelo
lembra-nos também de que somos parte importante do todo e que o todo é
feito de muitas partes, assim como o mosaico somente existe com todos os
seus fragmentos.
Foi com este pensamento que diversos povos foram avançando nas técnicas e
adaptando a arte do mosaico ao seu entendimento e à sua simbologia. Mas o
conceito fundamental do mosaico permanece imutável, por traz das técnicas e
peculiaridades de cada cultura, é em si um símbolo forte, lembrança de que
fazemos parte importante neste universo.
Assim, o egípcio concebeu o mosaico para fazer talismãs utilizados como
peitorais ou braceletes, usando abundantemente pedras preciosas, pois acreditava que elas continham propriedades energéticas e protetoras. Nesta
época, o mosaico era chamado de “arte cristalizada”.
Aprendendo inúmeras artes com os egípcios, os gregos retomaram o mosaico
utilizando cubos de pedras, os quais chamavam de tesselas. Neste período, o
mosaico recebeu, quando colocado no piso, o nome de tapete musivo. O termo
“mosaico” significa “pertinente às musas.”
Os romanos difundiram o mosaico por todo o império. Na maior parte das
vezes, adornava pisos de casas particulares, termas e templos.
No período bizantino, o mosaico passa a ser feito com mais precisão. O
material passa a ser o vidro colorado, e a composição recebe um fundo
dourado feito com uma lâmina de ouro entre duas de vidro. O mosaico nos
templos representava os céus, adornando cúpulas e absides, santos e anjos.
No piso desenvolveram-se diversas técnicas, e começava a profusão de
labirintos em mosaico, como uma forma de representar a peregrinação da vida
cristã.
Na Idade Média, houve diversas variações do mosaico bizantino, e, no período
barroco, houve um renascer das técnicas clássicas, mas com mais vida, cor e
variedade de formas.
Hoje vemos, na arte contemporânea, um compêndio de diversas técnicas e
estilos. Muito do desenvolvimento nesta área se deve às tecnologias dos
softwares que possibilitam projetos mais avançados e ao uso de materiais que
possibilitam técnicas inovadoras e novos tipos de fragmentos.
Nosso ateliê é conhecido por resgatar técnicas milenares e sua simbologia, e
ao mesmo tempo lançar mão do uso da tecnologia disponível para avançar a
arte musiva. Tecnologia na execução de projetos utilizando o computador e
seus softwares e tecnologia de materiais utilizando colas inovadoras. Isto
possibilita a execução de grandes fachadas, grandes pisos ou cúpulas.
Projeto
Um campo ao qual dedico minha vida é o aperfeiçoamento da arte do mosaico
através do uso das ferramentas, de projetos e de design. Recentemente,
exploramos o mosaico bizantino criando padrões de piso que podem ser
colocados em locais diversos, inclusive em locais de culto. O embasamento nos designs da época, com o auxílio do projeto, permitiu criar um modelo
geometrizado do esquema bizantino.
Seguindo padrões do mosaico bizantino, observe-se que uma das
características é a alusão à Trindade através da flor de lis com três pétalas, do
semicírculo onde estão embutidos outros dois semicírculos e do trevo de três
folhas.
Recentemente, concluímos a fachada do Santuário Medianeira, em
Veranópolis, obra do arquiteto Júlio Posenato. É um templo com uma forma
especial, octogonal, com treliças em madeira à vista. A fachada é um frontão
com base de aproximadamente 12 metros. O tema para a fachada foi “as
Bodas de Caná”, cena do primeiro milagre de Cristo, primeira aparição de
Maria na Bíblia, um casamento onde, na falta do vinho, Cristo transformou
água em vinho.
Para obter o resultado da perspectiva da cena onde ocorreu o milagre, o
interior de uma casa em pedras, respeitando as inclinações diagonais do
frontão, precisamos utilizar como ferramenta de projeto arquitetônico o software
CAD. Somente assim puderam se geometrizar as linhas, o formato das pedras,
as janelas e, a partir dos desenhos feitos nestes softwares, retirar as
dimensões com precisão para cortar as pedras do mosaico. Projeto no Software CAD para a fachada do
santuário
Fachada do Santuário Nossa Senhora Medianeira – Veranópolis – RS
Colocamos várias simbologias neste mosaico. Uma delas foi expressa por uma
porcelana tingida de ouro 12 quilates colocada nas mãos de Cristo,
simbolizando o imenso poder que ele tinha em suas mãos para fazer vários
milagres, como as curas. A surpresa de algumas pessoas contrastou com o
espanto de outras, quando se deram conta do milagre. Estes rostos foram
inspirados em pessoas da comunidade, como se os próprios membros
participassem do acontecimento de Cana. O rosto de Cristo expressa muita
amabilidade, lembrando-nos sempre que os céus estão de braços abertos para
nós, através do seu amor.
Tecnicamente, a execução de grandes mosaicos é muito complexa. Este
mosaico, que tem aproximadamente 12 metros de base por 2,5 metros de
altura, foi dividido em 15 pedaços de aproximadamente 1 metro quadrado
cada. Cada uma dessas partes foi executada em bancada separada, sendo
unidas depois no local, no dia da colocação. Fizeram-se os ajustes entre as
partes, e a finalização foi feita com vernizes protetores.
10 anos de trabalho
Comemoramos recentemente 10 anos de atividade com o mosaico. E, nestes
anos, os trabalhos que nos deram sempre muito prazer foram os de arte sacra.
O que mais nos agrada é a questão metafórica do mosaico em si e os símbolos
utilizados. O símbolo é um referencial material de um conceito imaterial, a
imagem de um símbolo muitas vezes nos ajuda a entender o que não
percebemos conscientemente e a absorver aos poucos uma ideia mais sutil
sobre a nossa existência.
Quando nos é colocado o desafio de criar alguma arte sacra, faz parte de sua
criação uma extensa pesquisa e fundamentação. Esta é feita e apresentada à
comissão selecionada e ainda recebe muitas intervenções da comissão e da
comunidade específica. É muito importante ser fiel à história para não criar
referências falsas, e também ser fiel à simbologia para que se obtenha uma
imagem eficaz. No caso das “Bodas de Caná”, por exemplo, a pesquisa se
estendeu ao estudo da cerâmica romana, que era utilizada, na época, naquela
região. Pesquisaram-se sobre seu formato e sua coloração, pequenos detalhes que fazem a diferença, pois é muito importante que mantenhamos a fidelidade
histórica na cena.
Outro caso interessante que recebeu uma pesquisa de simbologia apurada foi
a fachada da torre de uma igreja em Salvador do Sul/RS. Esta traz a
representação de Nossa Senhora Conquistadora, que remonta a uma
simbologia dos jesuítas, conquistadores de corações através da pregação.
Além da imagem de Nossa senhora, foram utilizados símbolos específicos dos
jesuítas, como o coração com a cruz e o IHS1
, colocados em medalhões. Estes
símbolos foram projetados a partir de fotografias feitas por nós no sítio
arqueológico de São Miguel das Missões. O céu estrelado foi inspirado nos
mosaicos bizantinos das abóbadas do Mausoléu de Gala Placidia, em
Ravenna, e os anjos nos da Catedral Metropolitana de Porto Alegre. O formato
também foi um grande desafio, tanto no projeto quanto na execução, mas
tínhamos instrumentos e técnicas para realizar inclusive absides e cúpulas.
1
Iesus Hominum Salvator, ou seja, Jesus salvador dos homens. Também foi
uma sigla usada em estandartes, referindo-se a Jesus: InHocSigno, ou seja, sob
este signo. Mais tarde, foi usado pela ordem católica dos jesuítas, com o
seguinte significado: Iesum habemus Socium, ou seja, temos Jesus como
aliado.
Nossa Senhora, Cruz de duas hastes, coração com a cruz, IHS e anjos. O da
direita com semblante europeu e o da esquerda com semblante indígena.
A vindima dos Amorins – Vinícola Salton - Bento Gonçalves RS
Releitura dos mosaicos da Basílica de Santa Costanza em Roma – Amorins
(cupidos), parte do cortejo da deusa Vênus, trabalham em equipe colhendo as
uvas, transportando e fazendo o vinho.
Cristo Triunfante– Cemitério em Carlos Barbosa/RS
Templo de Cristal. Acervo do Artista
Muitas vezes, pedem-nos pequenos símbolos ou letreiros para decorar algum
ponto do santuário, cemitério, fonte batismal, lugares onde o mosaico é tradicional. Para cada espaço existe uma técnica, seja em materiais, seja em
colas e projetos. Observamos as áreas internas e externas, a incidência de luz
e os elementos da natureza. O fato é que o mosaico cria um ponto focal no
espaço, um ponto de contemplação, e, com sua simbologia, conceitos são
transmitidos através dele, assim como pensamentos podem ser direcionados e
ideias podem ser escolhidas. Muitas vezes, as escolhas dos temas são
intuitivas, às vezes óbvias, mas o que permanece é sempre um ponto focal,
acessível a todos que por ali passam. E, como o mosaico já tem um apelo
visual muito forte, ele não passa despercebido. Ele encanta a todos. A
execução de uma obra que, um dia nasce e vive com promessas de eternidade
é uma grande responsabilidade. O mosaico é uma arte eterna: os cristais ficam
para contar nossa história para as gerações futuras.
Leonardo Martins Posenato é arquiteto formado pela UFRGS e em mosaico pela Scuola
Mosaicisti del Friuli, Spilimbergo/Itália, onde também trabalhou no ateliê uova
Espressione Artistica nel Mosaico. Atualmente dedica-se à arte e produção de mosaicos,
tendo já realizado diversas obras e exposições no Brasil e exterior. Contato pelo site
www.mosaico.arq.br
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